
Muito antes da tinta a óleo dominar os ateliês europeus, antes mesmo de a têmpera figurar nos ícones bizantinos, já se pintava com a encáustica. A técnica consiste em derreter cera de abelha, fundi-la a pigmentos e aplicá-la sobre superfícies rígidas. Foi com ela que se criaram, no Egito Romano, os chamados retratos de Faium, as obras mais preservadas da Antiguidade. Mais tarde, já no século XX, foi essa mesma técnica que Jasper Johns retomou em suas icônicas bandeiras.
Conheça, a seguir, um pouco mais sobre essa técnica que resiste no tempo.
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O fogo como agente de transmutação e alquimia
Diferente da têmpera, acrílica ou da aquarela, a encáustica é uma das poucas técnicas de pintura que dispensa a água. Mas ela exige que o artista saiba manusear os outros três elementos: terra (os pigmentos), ar (o vapor que sobe e o vento que esfria a matéria) e fogo (a fonte que transforma a matéria). Mas, se tivesse que escolher entre os três, pode se dizer que o fogo é o mais intrínseco à técnica. Inclusive, a palavra “encáustica” vem do grego “enkaustikos”, que significa “queima”.
O fogo, juntamente com as etapas sensíveis do processo de feitura, conota um caráter ritualístico à encáustica: derreter a cera, controlar sua temperatura, misturá-la com pigmentos puros e aplicá-la com pincéis ou espátulas sobre o suporte.
A prática meditativa também requer que as tomadas de decisão do artista que a emprega sejam feitas no calor do momento. A imagem nasce líquida, quente e maleável, e se estabiliza à medida que esfria. Mas mesmo depois de pronta, a obra permanece sensível à temperatura e, consequentemente, a transformações.
Tempo: da antiguidade para a eternidade
Retrato de Fayum. Museu Britânico
A cera sempre foi um material que carrega a ideia de preservação – pense nos usos antigos para conservar corpos, comidas e objetos. A encáustica é uma das mais antigas técnicas pictóricas conhecidas. Ela surge em um contexto mediterrâneo clássico, especialmente entre gregos e egípcios, por volta do século V a.C., com a ideia de fundir pigmentos com um meio que preserva a pintura ao longo do tempo. Por isso, muitos retratos encáusticos chegaram até nós em estado impressionantemente bem conservado.
Na contramão da obsolescência acelerada e virtualização das imagens da contemporaneidade, a encáustica propõe o desaceleramento do tempo até mesmo para os artistas. Ela demanda preparos lentos que inclusive foram o motivo de seu desuso durante toda a Idade Média e o Renascimento com a ascensão da têmpera e, mais tarde, do óleo, que eram mais fáceis de aplicar e exigiam menos aparelhamento técnico. Portanto, a retomada da encáustica a partir do século XVIII é por si só significativa, pois trata-se de pintar com um material que preserva o tempo em pleno presente líquido.
Corpo matérico
Jasper Johns, Flag (detalhe), 1954-55. The Museum of Modern Art.
Nos seus primeiros usos documentados, a encáustica era aplicada de maneira relativamente fina, com pinceladas por vezes até polidas com espátulas quentes para obter uma superfície lisa e homogênea. A intenção, nesses casos, era muitas vezes alcançar o máximo de realismo, pretensão esta que atingiu seu auge na arte clássica europeia, que compreendia a habilidade técnica de um pintor como sua capacidade de esconder suas marcas de pinceladas.
Porém, no contemporâneo, alguns artistas retomaram a técnica justamente por sua qualidade expressiva e volumétrica. É o caso da artista Teresa Viana, que há décadas pesquisa a fisicalidade da cor a partir da encáustica. Usando pincéis largos e carregados de cera pigmentada, a artista trabalha a poética dos excessos. Quando se pensa no verbo “pincelar”, é comum que o conceito esteja atrelado à ideia de um gesto sutil e delicado. Mas, no caso de Teresa, mais adequado seria dizer que ela esculpe matéria pictórica sobre a tela. Sem esboços prévios, a composição surge no próprio ato da artista, no improviso de quem conhece bem os tempos e as temperaturas da encáustica. O resultado são obras de grande densidade material, em que as camadas de pintura em conjunto podem chegar a cinco centímetros de espessura.
Se traçarmos um panorama dos usos da encáustica, dos clássicos aos contemporâneos, percebemos uma mudança drástica na maneira de compreender as possibilidades da pintura: de superfície da imagem ou representação para matéria autônoma.
Visite a Zipper Galeria
Se te interessou conhecer mais da produção desta técnica, faça uma visita à Zipper Galeria e confira pessoalmente a produção de Teresa Viana no acervo. A Zipper funciona de segunda a sexta, das 10h às 19h e, aos sábados, das 11h às 17h, na R. Estados Unidos, 1494 - Jardim América, São Paulo – SP.