Luz em túlia: Alessandra Duarte

21 Fevereiro - 16 Março 2013

Paisagem em construção

 

O lugar, que antes era definido pelos limites impostos por paredes, agora não tem mais nada. É a luz, em tons de amarelo, laranja e vermelho, que toma todo o espaço, parecendo escorrer de cima para baixo. É agora nessa parede de luz que nossos olhos encontram o limite. No meio do caminho está uma escada em caracol, que não leva mais a lugar nenhum. E uma porta com o batente, que ainda se mantem em pé, não se sabe por quanto tempo, mas que já não serve para nada. O que restou de grades e janelas está encostado em um canto. Nada disso tem mais serventia. Não há mais dentro nem fora, em cima ou embaixo. Não há do que se proteger ou através do que olhar. No chão, o indício de que ali existiu uma construção. Os entulhos – esses sim uma presença de traços firmes – se misturam com um pouco de grama e areia de um jardim que parece tentar resistir, não se sabe há quanto tempo e nem por quanto tempo mais.

 

Luz em Tulia é a tela que dá nome à segunda mostra individual de Alessandra Duarte na Zipper Galeria e nos faz lembrar da definição primeira de paisagem: espaço que se abrange em um lance de vista. Qualquer lugar pode ser paisagem desde que se tenha alguém olhando para ele. É a presença humana que caracteriza a paisagem. Nas telas de Alessandra Duarte, a presença humana são rastros, vestígios, que aparecem, se repetem e se sobrepõem a todo momento. Se sua produção anterior era marcada pelo convívio de uma forte arquitetura moderna com grandiosos jardins à la Burle Marx, cada um ocupando seu espaço cuidadosamente calculado, agora é no que restou de seu antigo ateliê, demolido, que a artista encontra lugar para sua pintura.

 

É nesse lugar tomado por entulhos e restos que estão elementos da natureza e da arquitetura misturados. A figura humana, que antes mais parecia ocupar um papel secundário, tendo como função dar a escala de grandeza de tudo o que estava à sua volta, não aparece mais nas telas. É sua ausência que afirma sua presença, construída pelos rastros e vestígios deixados nos lugares. E também é de rastros e vestígios que a pintura de Alessandra Duarte se constrói. Linhas decididas que parecem duvidar em alguns momentos, cores que se mantém uniformes até chegar ao limite, uma luz que parece fazer força para estar ali, ou, ao contrário, parece estar indo embora aos poucos. Nada está inteiro, nada é uniforme em uma pintura que parece ser feita de pequenos acontecimentos, inúmeros e sucessivos.

 

Entre os trabalhos chama atenção Se entranha, uma paisagem pintada em formato vertical – proporção destinada a outro gênero clássico da pintura: o retrato. Uma paisagem personificada. Uma paisagem-coisa, objeto, passível de construção. Talvez por isso a jovem artista tenha se interessado em ir de fato para o espaço e construir suas próprias paisagens. No conjunto de fotografias que completam a exposição, restos de demolições são tomados por intervenções de cor e sensações de rastros luz. Ao se agruparem em duplas ou trios, essas imagens buscam se distanciar do lugar onde foram feitas e construir significados nas relações entre elas, criando assim novas paisagens possíveis.

 

E construção parece ser outra palavra-chave aqui. Talvez não à toa, a última tela em exposição a ser pintada, A Maré em Túlio, como o nome anuncia, tem sua superfície tomada pelo que aparentam ser restos de construção, amontoados em uma grande massa que parece se movimentar como uma onda. Se sua presença é marcante pelo conjunto, também chama atenção pelo tratamento individualizado dado a cada um dos elementos que a constituem. Cada pedaço traz em si a marca da sua construção, que parece não ter acabado ainda. Linhas firmes se misturam ao branco da tela não preenchido, a espaços preenchidos de maneira mais afirmativa ou ainda em dúvida, e traços que parecem perder a certeza, ou a força ao longo do caminho. Talvez por isso a tela pareça se mexer. E talvez por isso, só nela apareça a figura humana tentando entrar.

 

Fernanda Lopes
Rio de Janeiro, fevereiro de 2013