Só Os cria...: Igor Nunes

5 Abril - 7 Maio 2022

só•os•cria
1. Só.   2. Os cria (sm) artigo no plural.  

3. Criado e  nascido em  determinado local. 

4. Sou cria da Tijuca

5. Parceiro, mano, amigo de infância.

6. Eae meu cria, tranquilão? 

7. Só os Cria de Verdade.

8. Pelo meus crias.

9. Nós É Cria Não É Criado.

10. Passinho dos Cria.

11. Essência  de  Cria.

12. Os cria da VIP vai De Kenner.

13.  Os  cria  Tá  de  Radinho.  

14.  Piquezin  dos  cria.  

15.  Naquele  Pique (NPK).

16. PIKZIN.  

17. Piquezin mais pra frente.  

18. Desci rápido, vou subir.  

19. Ainda.  

20. Daquele Jeitão.

21. Essa é a visão pros Cria. 

A linguagem é simbólica. Símbolos, signos e ícones constroem a identidade dos meninos jovens, da zona periférica do Rio de Janeiro. Em suas pinturas, Igor Nunes cria narrativas a partir de sua própria experiência dentro deste território. O artista retrata uma variedade de códigos pertencentes a esse grupo social, que se organiza a partir da comunicação por signos convencionais, sonoros, gráficos e gestuais. 

 

É intrínseca a relação da linguagem com territorialidade. O processo de colonização nas Américas determinou um papel importante à língua: os marcadores territoriais, por vezes, eram determinados pela variante linguística. Com isso, a linguagem não apenas transmite uma informação, mas detém um caráter fundamental sobre a cultura pela qual é usada - intervir na linguagem é intervir na identidade de um povo. Afinal, a linguagem é um fenômeno social que constitui nossa identidade. 

 

“Falar é existir absolutamente para o outro. (...) é estar em condições de empregar uma certa sintaxe, possuir a morfologia de tal ou qual língua, mas é sobretudo assumir uma cultura, suportar o peso de uma civilização”.

 

(FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas, p. 33.)

 

Uma história narrada em terceira pessoa, e no plural. Os cria. É a definição de um grupo que partilha de normas, valores, hábitos e costumes próprios. A forma de se comunicar: escrita, fala e digitação, envolve relações étnico-raciais, de geração, e detém classificações e aspectos de sustentação e inserção social. A linguagem constitui os sujeitos. 

 

Os gestos e sinais com as mãos - podem simbolizar o pertencimento a uma determinada localidade - funcionam no lugar da palavra, por exemplo: os dois dedos levantados que simbolizam tranquilidade. Os cortes de cabelo "régua máxima", "corte do jaca", "corte americano" e cores de cabelo "nevou, loiro pivete", assim como, os ícones de moda, chinelos, e tênis, são marcadores de distinção entre centro-periferia.

 

Esta exposição é também uma forma de elaboração do repertório que caracteriza a cultura periférica e urbana carioca, em especial, o cenário do funk e do rap. O artista traça uma cartografia de objetos que figuram elementos periféricos, reconhecíveis, caracterizando um movimento de resgate e orgulho, bem como o de representar uma cena da contemporaneidade, a fim de contextualizá-la, exaltando sua importância.

 

 

Núria Vieira

 São Paulo, 31 de março de 2022