Caviar é uma ova!: Camila Soato

7 Março - 8 Abril 2017

Tem amiga que é profissional em fazer a ppk piscar é uma das frases rabiscadas nas pinturas de Camila Soato. Para quem não sabe, ppk é a abreviação popular da palavra pepeca, sinônimo que – no português não padrão – nomeia o órgão sexual feminino. Já para quem sabe, fazer a ppk piscar é uma delícia! 

 

Por uma análise livre da oração, amiga cumpre o papel do sujeito, profissional do adjetivo, fazer piscar dos verbos e ppk do objeto, certo? Não, porque uma ppk não é um objeto, contudo sua objetualização pode ser concedida se ela desejar e permitir.  Visto que, ainda hoje, é um ato de resistência posicionar a mulher como protagonista de seus desejos e dona de seu próprio corpo. Desta forma, quando Soato traz para a pintura frases como esta, ou Meu corpo minhas regras, ela começa a dar vazão a uma das principais característica de sua obra: romper barreiras que nunca deveriam ter existido.

 

Para além da palavra escrita, suas pinturas também repensam modelos por meio de imagens. Com uma produção reconhecida por colagens esquizofrênicas, a artista trabalha com situações absurdas e ao mesmo tempo reais, visto que a maioria de suas referências vêm da internet, podendo ou não ser verídicas.  São representações de cachorros defecando, mulheres mijando em pé ao lado de uma viatura, criança dedando o ânus de seu animal de estimação ou beijando-o na boca etc... Lembram cenas de um filme trash, no estilo Pink Flamingos (1972). Trata-se de imagens completamente amorais e muito, mas muito anormais para uma sociedade idealizada. Logo, é uma beleza! E é uma beleza no sentido que quisermos dar para este termo.

 

Para balancear ou potencializar este “circo mambembe de horrores” – assim como coloca Soato –, em um mesmo trabalho é possível observar apropriações de ícones da história da arte como Baco, de Caravaggio, ou Monalisa, de Leonardo Da Vinci. Representações que fazem um elogio à pintura e a seus grandes mestres (ou não) e concomitantemente remetem a um gosto comum. Existe um jogo irônico entre uma real adoração à pintura, sua absorção e aquilo que esta simula.

 

Ironia que se reafirma com o título da exposição, tendo em vista o duplo significado da palavra ova aqui empregada: caviar enquanto uma especiaria com um alto valor mercadológico e como trocadilho que critica a caricatura daquele que o consome. Uma cutucada tanto no sistema, mercado e história da arte como na própria artista; dado que esta se encontra como elemento de base desta cadeia alimentar. 

 

São muitas camadas presentes em uma mesma tela: micropolítica, elogio à pintura, juízo do belo, crítica institucional etc... Não existe uma fronteira entre os argumentos, palavras e imagens. Os assuntos vão se relacionando a partir da justaposição de diálogos; um em oposição ao outro, um somando com o outro. São situações aparentemente antagônicas, mas que quando aproximadas criam um caos organizado.

 

Aliás, quem conhece Soato é capaz de reconhecê-la em algumas de suas telas, mesmo que sua imagem não seja fidedignamente representada. São poses da artista em um ambiente informal, situações domésticas, esdruxulas e nada sofisticadas. Nas palavras da artista, “as pinturas pretendem (...) deflagrar a possibilidade de liberdade dos corpos e identidades sob o véu do humor, do cômico sarcástico azedo e afiado”.

 

O humor é sua ferramenta mais eficaz, na maioria das vezes sem objetivar o riso. A congruência de sensações e contrastes que sugere sua obra é o que media o espaço entre o espectador e a tela. Suas pinturas vibram alto, usam da sabedoria da velatura para dizer nas entrelinhas e conseguem equilibrar uma estética punk com a cor do sofá. Trata-se de uma produção que sabe utilizar a expertise em favor do discurso e sua construção poética. 

 

Desta forma, CAVIAR É UMA OVA! é uma exposição que provoca um embate direto ao chamado comportamento normativo e bons costumes, não deixando espaço para o preconceito, machismo e outros atrasos da humanidade. É ao encontro de pensamentos com atitudes que Soato nos aproxima de uma postura engajada para a percepção da mulher enquanto voz ativa.  

 

VIVA A PPK!

 

Paula Borghi