4 elementos para compreender a exposição “cheguei, cheguei. lar, lar, lar.”, de Ivan Grilo

Meditação, lembranças de infância e objetos do cotidiano constroem uma casa metafórica na Zipper Galeria
Setembro 17, 2025
4 elementos para compreender a exposição “cheguei, cheguei. lar, lar, lar.”, de Ivan Grilo

A individual de Ivan Grilo reúne um conjunto de trabalhos inéditos, que perpassam diferentes materiais como linho, ouro, bronze, mobiliário e fotografia. Vista em conjunto, a mostra constrói uma atmosfera de intimidade, memória e transcendência, conduzindo o visitante por uma experiência poética e meditativa, mas também universal. 

 

Confira a seguir, quatro elementos que estruturam a exposição, em cartaz até 04 de outubro de 2025.

 

Conteúdo do artigo:

 

 

A casa como corpo

A exposição ”cheguei, cheguei. lar, lar, lar.”, desde seu conceito, expografia e obras, foi construída circundando a ideia de “lar”. Trata-se de uma casa metafórica, que faz do corpo e da memória um abrigo. “A casa como corpo / o corpo como prece”, entoa uma obra em ouro, a primeira do artista neste metal.

 

“Texto, tecido, linha, linho #22 telhado” (2025) traz as linhas de pauta de um caderno escolar, cruzadas por outras duas, que formam o esboço de um telhado no topo da composição. A ausência de palavras deixa o espaço em branco. É a expectativa que se projeta sobre uma pequena porção de retas insinuando a promessa de um lar, e sobre as narrativas que serão escritas sobre ele.

 

O corpo como prece

O título da mostra deriva de uma meditação proposta pelo monge budista vietnamita Thich Nhat Hanh, mestre que desenvolveu pequenas frases de respiração consciente chamadas gathas. Uma delas consiste em inspirar “cheguei, cheguei” e expirar “lar, lar, lar”. 

 

“Cheguei” expressa a consciência de estar plenamente presente, reconhecer que você já está no aqui e no agora. “Lar” aponta para o corpo, reconhecendo-o como abrigo. A obra que empresta título à exposição materializa esse ensinamento em uma placa de bronze gravada com a inscrição do mantra, acompanhada por uma fotografia: o fragmento de uma lavanderia, recortado de um retrato de infância do artista, na casa onde nasceu e viveu até a vida adulta. 

 

A meditação não é totalmente novidade no trabalho de Grilo. Suas poesias, apresentadas em placas bronze ou tecidos, são frequentemente como mantras, que precisam ser lidos, pronunciados e meditados para revelarem plenamente seus sentidos.

 

O cosmos dentro de casa

Outro eixo da exposição é a presença do cosmos no espaço íntimo. Na obra “Eclipse anular” (2025), também em linho, as fases de um eclipse aparecem reduzidas a poucos elementos, evocando o mistério do movimento celeste. Como escreve Emanuele Coccia em "Filosofia da Casa”, a casa é o lugar onde o mundo se condensa e se torna íntimo. Grilo dá forma sensível a essa condensação.

 

O políptico “Contato, anunciação, ascensão, transcendência, lar” (2025), instalado no topo da exposição, é inspirado em um frame do filme “Sacrifício”, de Tarkovsky. As cenas foram manipuladas digitalmente até ganharem textura de imagens espaciais em movimento. Dispostas na parede em formato triangular (com as de menor escala nas duas pontas e as maiores ao centro), remetem ao telhado de uma casa, como se o céu repousasse sobre ela.

 

Os objetos, suas memórias e potenciais discursivos

Os materiais escolhidos por Grilo têm simbolismo intrínsecos ou adquiridos em suas histórias enquanto objetos. O bronze grava palavras no que é perene, transforma o efêmero em duradouro, a linguagem em corpo resistente ao tempo. O linho, mais orgânico, marcado a calor, expõe frases como se fossem cicatrizes, memória impressa em tecido. O ouro reluz como um metal sagrado, conferindo às palavras um estatuto transcendental. 

 

Há ainda a presença de móveis antigos, testemunhas de uma casa perdida. O artista comprou, quando adulto, a casa em que cresceu, mas posteriormente ao vendê-la, desfez-se também do mobiliário. Arrependido, tentou recuperá-lo, mas não conseguiu. Buscou, então, peças semelhantes em antiquários, que hoje habitam a exposição. Esses objetos carregam as memórias de outras famílias, outros lares, e assim tecem outras narrativas para uma morada possível.

 

Serviço

cheguei, cheguei. lar, lar, lar.

Ivan Grilo 

Zipper Galeria

Rua Estados Unidos, 1494 – São Paulo, SP

Em cartaz até 4 de outubro de 2025