Mario Ramiro: imagem, corpo e reprodução em quatro obras de 1979

Conheça quatro obras que subvertem o autorretrato na era da reprodutibilidade
Dezembro 4, 2025
Mario Ramiro: imagem, corpo e reprodução em quatro obras de 1979

No final da década de 1970, quando a arte brasileira buscava romper com o objeto tradicional e explorar as linguagens técnicas emergentes, como a fotografia, o vídeo e outras experimentais, Mario Ramiro já operava subversivamente os próprios meios técnicos para refletir sobre como as imagens são produzidas e consumidas. Sua formação como mestre em Fotografia e Novas Mídias pela Kunsthochschule für Medien Köln (Alemanha) e doutor em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo já anunciava as linhas poéticas que trilharia. As obras de 1979 reunidas aqui nascem desse contexto liminar, quando o país ainda vivia sob os efeitos da ditadura e a tecnologia começava a redesenhar as formas de ver, registrar e circular visualidades. 


Confira a seguir um pequeno recorte de quatro obras desse artista, representado pela Zipper Galeria, que há décadas tem conquistado o circuito internacional de artes, tendo já participado de quatro edições da Bienal de São Paulo e uma em Havana.


Conteúdo do artigo:

 

 

Pintura


Em “Pintura” vemos a imagem de Mario Ramiro multiplicada em uma sequência performática. Em 1979, quando a obra foi criada, o autorretrato como campo performativo ainda estava em formação no Brasil. Nesse período, os artistas experimentais buscavam romper com a ideia da arte como objeto de representação da realidade e com a pintura como campo privilegiado ou exclusivo da expressão.


Apesar do título, do pincel e tinta nas mãos de Ramiro, na construção da obra não há tinta, nem pinceladas e pode-se dizer que nem sequer investigação pictórica. Nas impressões xerográficas, o pincel é subvertido enquanto ferramenta e passa a ser signo, ou seja, ele não serve para pintar, ele significa pintar. 


Além disso, a ação do artista com o objeto não se dirige a uma superfície externa, mas à lente da câmera e, por consequência, ao olhar do espectador. Somos atravessados pelo gesto que atingiria a tela. Nesse momento percebemos a obra não mais como autorretrato, ainda que capture a imagem de seu autor. Quem ou o que é retratado aqui? Mario Ramiro diante da câmera? Ou nós, capturados pela lógica da imagem?

 

Espelho invertido


Para a criação de “Espelho invertido”, Mario Ramiro encosta a face na superfície da copiadora xerográfica, onde o suposto espelho não reflete a imagem, mas a produz. Cada frame da obra nos fornece apenas um ângulo, um fragmento. O sujeito registrado nunca se apresenta por inteiro.

Com os olhos cerrados em todos os quatorze registros, o artista interrompe o circuito narcísico que sustenta o espelho enquanto dispositivo de reconhecimento. O rosto é oferecido à máquina sem que Ramiro acompanhe o que está sendo capturado.

 

O título é inspirado por “La réproduction interdite” (1937), uma pintura do surrealista belga René Magritte, onde o sujeito diante do espelho vê suas próprias costas. Em “Espelho invertido”, Ramiro replica uma lógica semelhante, organizando as figuras de costas uma para a outra, sem a possibilidade de um encontro direto entre os rostos.


René Magritte, “La réproduction interdite”, 1937

 

Fome de música

 

Em “Fome de música” Mario Ramiro, que além de artista visual é músico, integrante da banda Do/Z ao lado de Adriano Leal, Diogo de Nazaré e Pedro Palhares, lança mão de uma literalidade ainda mais radical. Na sequência xerográfica, devora uma partitura e, ao que indica especialmente o último retrato, se delicia com ela. O gesto é bruto, não há hesitação. E a literalidade é usada como recurso para desmontar qualquer romantização da escassez cultural.


Mais uma vez o objeto é destituído de sua função para o qual foi criado. A partitura é a materialização visual da música enquanto conceito. A música, por sua vez, perde o caráter abstrato – e sua sonorização –, ganhando dimensões concretas.  

 


Klinex


A sequência de “Klinex” é o registro de uma breve narrativa: o artista espirra, limpa o nariz e joga o papel amassado por cima do ombro. Apesar do rosto ser tão expressivo nas obras de Ramiro, a partir dos quatro últimos quadros desta instalação percebemos que o verdadeiro personagem aqui é o lenço de papel.

O título faz referência à marca Kleenex, o lenço descartável mais difundido no período – um produto cujo nome virou sinônimo do próprio objeto. A alteração na grafia “aportuguesada” pode indicar a preferência pela sonorização popular do nome da marca ou ainda para a criação de uma espécie de “marca genérica”.

 

Visite a Zipper Galeria

Se você se interessou em conhecer as pesquisas visuais de Mario Ramiro, faça uma visita à Zipper e aproveite para conferi-las pessoalmente. A galeria está localizada na Rua Estados Unidos, 1494, em São Paulo, e funciona de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h; e aos sábados, das 11h às 17h.

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