Graciela Sacco: corpo e imagem em campo de risco

Conheça a obra de Graciela Sacco, artista argentina que transforma fotografia e intervenções urbanas em críticas à violência e à ditadura
Dezembro 17, 2025
Graciela Sacco: corpo e imagem em campo de risco

Em uma Argentina que ainda carregava a sombra dos desaparecidos e as feridas abertas do terror instaurado pela ditadura militar – considerada uma das mais sangrentas da história, que durou de 1976 a 1983 –, Graciela Sacco desenvolveu uma produção artística que refletiu criticamente sobre estruturas de repressão atemporais.

Seus trabalhos atravessam fotografia, vídeo, instalações e intervenções urbanas, sempre com uma atenção à forma como a violência se inscreve nos corpos e nos objetos cotidianos. Sacco universalizou a experiência do medo e do trauma, contrastados em jogos de luz e sombra. Por meio de suas pesquisas heliográficas – técnica que lhe permitia fazer impressões sobre superfícies irregulares –, imagens do corpo humano fragmentado e/ou fantasmagórico acabam, paradoxalmente, por dar “corpo” e presença a objetos inanimados.


Sua atuação profissional inspirou e fortaleceu a inserção de mulheres argentinas nas artes a partir dos anos 1980. Com forte circulação internacional, tendo inclusive representado seu país em diversas bienais pelo mundo, como a de Veneza (2001) e de São Paulo (1996), Sacco é uma das vozes mais potentes de sua geração, tendo produzido obras que, décadas depois, ainda soam urgentes.

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Série “Waiting for the Barbarians” (2011)

 

Nas instalações de “Waiting for the Barbarians” (Esperando pelos bárbaros), um par de olhos nos encara por uma fenda entre tábuas de madeira gastas, que remete às barricadas em tempos de guerra. No vídeo, os olhos se movem de um lado a outro,  se arregalam, vão de encontro com os do espectador e o colocam em uma posição desconfortável. Nós somos os “bárbaros” que o sujeito escondido teme? 


O gerúndio de “esperando” no título do trabalho corresponde ao loop do vídeo. A espera nunca se conclui. Não há um desfecho. E aqui está o ponto nodal da obra. A inspiração da artista pode ter partido do poema homônimo do grego Constantino Cavafy, escrito em 1898, que inclusive também inspirou o romance de J. M. Coetzee, de 1980, no qual o Império precisa inventar a ameaça dos “bárbaros” para justificar sua presença militar e seus métodos brutais: o medo do outro sustenta o poder. O poema de Cavafy é construído como um diálogo, onde alguém pergunta por que a cidade está paralisada – “O que estamos esperando, reunidos neste fórum?”; “Por que não está acontecendo nada no Senado? Por que os senadores estão sentados lá sem legislar?” “Por que nossos ilustres oradores não comparecem como de costume?” –, uma única resposta é repetida ao longo de todo o texto: “porque os bárbaros chegam hoje”. No entanto, a noite cai e os tais bárbaros nunca chegam. “Alguns dos nossos homens que acabaram de chegar da fronteira dizem / Não existem mais bárbaros / E agora, o que vai ser de nós sem os bárbaros? / Aquelas pessoas eram uma espécie de solução”. Sem a ameaça, a cidade deve encarar sua própria falência e a ausência de propósito. O medo organiza a política e sustenta a posição de autoridades que não teriam função sem um inimigo a combater. 

 

Apesar das referências de um passado distante, a obra de Sacco é atemporal, pois trata de uma estrutura política e sociológica que perdura há séculos por diferentes culturas.

 

 

“Retrato”, da série “Admissible Tension” (2010)

 

Na obra “Retrato”, a imagem é imediatamente impactante. Há uma violência implícita na faca, que fere a parede onde está cravada, e na sua posição, que sugere que ela tenha sido arremessada. 

 

Mais uma vez, Sacco cria um jogo de entreolhares. Os olhos gravados na lâmina quase encaram seu reflexo na parede, que na obra, é posto como uma segunda presença, um segundo sujeito. Inevitavelmente, o olhar do espectador também é convocado ao triângulo de confronto. De quem são esses pares de olhos, da vítima ou do vigilante? No objeto, a imagem é “enquadrada” pela própria ameaça que o circunscreve. Já sua projeção é o campo expandido do trauma, a sombra ou rastro daquilo que se estende para além do acontecimento. 

 

O título irônico da série (Tensão Admissível) acena para uma sociedade que aceitou viver com um certo nível de tensão (social, econômica, política) como parte da vivência coletiva. 

 

 

Sem título, da série “Bocanada” (1997/2014)

 

“Bocanada” é uma série de trabalhos que Graciela Sacco começou a criar em 1993, onde fotografias de bocas bem abertas em um grito mudo foram reproduzidas sobre diversos suportes, desde objetos cotidianos, como colheres, até intervenções urbanas em cidades como Nova York, Buenos Aires e São Paulo. 

 

Nessa versão da obra, a artista imprimiu a imagem sobre uma bola de futebol – objeto que trouxe outras camadas de interpretação poética. Na América Latina, e particularmente na Argentina (país de origem da artista), o futebol é símbolo de paixão, identidade, orgulho nacional, e muitas vezes, a única forma de ascensão social para jovens marginalizados. Mas o objeto aqui está deteriorado e murcho, o que sugere desgaste, abandono ou o fim do jogo. Desinflar o símbolo de glória é expôr uma crítica à falência social por trás da euforia esportiva.

 

Diante do tema, é difícil não lembrar que a Copa de 1978, realizada na Argentina, é historicamente notória por ter sido usada pela Junta Militar (sob o comando do ditador Jorge Rafael Videla) como uma ferramenta de propaganda para limpar a imagem do país no exterior, enquanto torturas ocorriam a poucas quadras dos estádios. Durante a ditadura, a liberdade de expressão foi severamente reprimida e, nesse sentido, “Bocanada” pode ser lida como a tentativa desesperada de falar ou de “tomar um bocado de ar”.

 

 

Visite a Zipper Galeria

Se você se interessou em conhecer as pesquisas de Graciela Sacco, faça uma visita à Zipper e aproveite para conferi-las pessoalmente. A galeria está localizada na Rua Estados Unidos, 1494, em São Paulo, e funciona de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h; e aos sábados, das 11h às 17h.

 
 

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