Com 2025 já no retrovisor, olhamos para o caminho percorrido até aqui com o coração cheio: foram doze diferentes exposições que passaram pelo espaço da Zipper Galeria neste ano. Ao longo delas, revisitamos histórias não contadas nas narrativas oficiais, investigamos as relações entre o orgânico e as novas tecnologias, fomos impactados pela força pura do gesto na tela e ainda tivemos o prazer de ver artistas consolidados dividindo espaço com talentos novos.
Foi um ano de colheita farta, não só pela riqueza das obras expostas, mas também pela calorosa troca com o público, que, ao longo desses doze encontros, demonstrou que a arte é, de fato, o espelho necessário de nossas vidas. A gratidão é imensa por cada artista que confiou sua pesquisa à nossa casa e por cada pessoa que cruzou a porta da galeria.
Relembre a seguir os temas, conceitos, técnicas e compromissos que atravessaram as exposições deste ano na Zipper.
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Artistas emergentes

A começar pela característica que está no DNA Zipper Galeria desde a sua inauguração: trazer o frescor para o circuito de arte contemporânea, por meio da apresentação de novos artistas à cena. Quatro exposições de 2025 refletem os movimentos da galeria na direção desse propósito.
A 16ª edição do Salão dos Artistas Sem Galeria inaugurou a programação do ano com obras de dez artistas de diferentes regiões do Brasil. Pensada para dar visibilidade a artistas ainda sem representação, a iniciativa, que tem parceria com o Mapa das Artes, já se tornou uma tradição no calendário cultural de São Paulo. Não por acaso, Ian Salamente, integrante da 16ª edição, passou a integrar o time da galeria e ganhou, em julho, uma exposição individual.

A mesma afluência acontece no projeto Zip’Up, dedicado à realização individuais de artistas que ainda não fazem parte do time da Zipper – como Julia Pereira, que fecha o ciclo expositivo do ano com “Rastro e Pulsão” no segundo andar da galeria. Felipe Góes, que também realizou uma individual neste ano, havia passado pelo Zip’Up em 2023.
Todos esses casos exemplificam como a Zipper compreende sua missão como um trabalho de continuidade.
Preservação da memória
As exposições de Ivan Grilo e Marco Tulio Resende, com propostas distintas entre si, se encontram na ideia de colocar o indivíduo e a memória como centro da obra, trabalhando com vestígios para falar de permanência.
Em “Tantos museus dentro da gente”, que aconteceu entre maio e junho deste ano, Resende apresentou uma retrospectiva de mais de cinco décadas de trajetória, com foco em sua relação de longa data com os objetos, suas materialidades e os rastros do tempo, que reencenam a memória em um processo de reconhecimento do eu no mundo. O artista recolhe o que é jogado fora e constrói um inventário pessoal. Para ele, o acervo é o que fica na vivência e no olhar, e não o que é institucionalizado.

Já Grilo reflete sobre a identidade sob uma ótica espiritual, meditativa e intangível, ainda que parta de objetos concretos e cotidianos com valores afetivos. Sua exposição “cheguei, cheguei. lar, lar, lar.”, desde seu conceito, expografia e obras, como o próprio título indica, foi construída circundando a ideia de “lar”.
Enquanto Resende construiu seu “Inventário do Abandono”, uma estante que guarda a memória e protege o “Eu” do esquecimento, Ivan Grilo propõe uma casa metafórica, que faz do corpo e da memória um abrigo – “A casa como corpo / o corpo como prece”, como está gravado em uma de suas obras em ouro.
Desmontando narrativas oficiais

Camille Kachani e Fernando Velázquez trouxeram ao público pesquisas de grande densidade conceitual para questionar a matriz de conhecimento que governa o presente.
“Uma Contra-História do Brasil”, de Kachani, revisitou criticamente a “história oficial” do Brasil, inserindo na narrativa os elementos excluídos – como os povos originários e suas perspectivas – por meio de esculturas e instalações. Já Velázquez, em “Biastiário: matriz das malícias” se voltou para a matriz tecnológica e digital, criticando o dataset que alimenta a Inteligência Artificial, um sistema que, apesar de moderno, reproduz os mesmos vieses de hegemonia e exclusão (o bias do Norte global) herdados da história.
Kachani usa a arte para reescrever o passado e seu discurso e Velázquez a usa para denunciar como esses vícios se perpetuam no futuro tecnológico, provando que a forma como escolhemos armazenar e processar a informação define o que será considerado verdade.
Corpo, distorções e espaço
À primeira vista, Celina Portella e Rizza têm pesquisas artísticas antagônicas: enquanto a primeira constrói imagens partindo da performance, do próprio corpo e da experiência analógica, a segunda trabalha com o gesto intelectual (programar sistemas, estabelecer parâmetros e relações matemáticas), para construir, por meio da usinagem, instalações abstratas sem qualquer vestígio humano.
Mas as individuais de ambas as artistas mostraram que suas produções recentes convergem na dissolução da imagem figurativa e das fronteiras entre o observador e o objeto observado.
Em “Uma, nenhuma e cem mil”, Celina apresentou uma nova série de fotoperformance, em que seu rosto foi frequentemente coberto por objetos, manchas ou intervenções, que tornaram sua presença menos identificável. Os próprios papéis, que seriam o suporte de seus trabalhos, foram amassados, sobrepostos e re-fotografados, fazendo-nos questionar o que é volume físico ou apenas ilusão impressa. As imagens em sua exposição nos confundem porque Portella reduz as distâncias entre figura e fundo.

Já a exposição de Rizza, “Gesto Paramétrico”, apresentou obras que introduziram a presença humana por meio do reflexo de suas superfícies – que, por sua vez, despertaram a percepção do corpo do público no espaço. As obras de Rizza também não devolvem imagens nítidas, ao contrário, dobram paredes e objetos, distorcem corpos, embaralham o dentro e o fora. Não há distinção entre o que pertence à obra e o que lhe é externo. O entorno, as pessoas, a arquitetura, tudo integrado e complementar às formas.
Pintura
Para além de Julia Pereira, Ian Salamente e Felipe Góes, a programação de 2025 incluiu ainda outras duas exposições dedicadas à pintura: “Nada Isolado — Nothing in Isolation”, de Daniel Mullen, e “Águas Compostas”, de Willian Santos. Ao todo, são cinco exposições de artistas que têm a pintura como eixo central em um único ano, o que revela um interesse consistente da Zipper em revisitar o meio pictórico a partir de abordagens muito distintas — da gestualidade e do corpo à percepção, ao espaço e à experiência compartilhada. Longe de afirmar uma ideia homogênea de pintura, a galeria aposta na capacidade de se reinventar no presente.

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