Zip'Up: Rastros: Layla Motta

22 Junho - 10 Agosto 2013

Em Rastros, sua primeira individual, a artista paulistana Layla Motta lida com um projeto de envergadura sobre o fotográfico, mesmo que as imagens dispostas na Sala Zip'Up se desenvolvam por um caminho fragmentado.

 

Ao comentar a produção, Motta enfatiza que o tempo é matéria-prima do seu olhar. E, para isso, a utilização de um projeto-chave na história da arte contemporânea – Um Passeio pelos Monumentos de Passaic, Nova Jersey (1967), de Robert Smithson (1938-1973) –, que resulta na série Passaic (2012), exibe um traço ambicioso da obra da artista, sem deixar de ser experimental. Afinal, requer coragem rever o legado smithsoniano e desdobrá-lo em uma proposição de land art expandida – sim, land art não necessariamente está ligada a intervenções na natureza; registros fotográficos que tragam à tona o vestígio, o antimonumento, o desfeito, a ruína em colapso antes da sua completude, entre outros elementos, são pungentes testemunhos da contemporaneidade de Smithson, Heizer, Holt, Oppenheim.

 

Ao mesmo tempo, o foco de Motta ao refazer o trajeto de Smithson pela cidade natal guarda ainda mais uma outra faceta, que evidencia a potência do banal e do prosaico. Um saco de lixo esgarçado, entregue a inexorável processo entrópico. Uma fachada de construção suburbana, espécie de bric a brac de texturas e superfícies absolutamente enfadonhas. Duas imagens que condensam alguns dos vetores poéticos da artista, como a destacar a investigação de pequenezas atentamente observadas, captadas e retrabalhadas até o arranjo final, em um ambiente expositivo.

 

"Na verdade, o Centro de Passaic não era um centro – era antes um típico abismo ou um vácuo comum"1, destaca Smithson no texto de 1967. O "caos unitário"2, imagem paradoxal e tão precisa levantada pelo artista sobre tal lugar, pode ser percebida no conjunto de Rastros. Perpassa por todas as fotografias certo vazio. A falta, abissal ou menos profunda que o projetado, atesta uma visada a respeito do efêmero, do precário, por meio de registros visuais variados, originários de séries diferentes. Assim, árvores colocadas em par se mimetizam, mas, vendo-se com cuidado, trazem detalhes que a distinguem. O enigmático está imbricado em pernas soterradas pela areia da praia, em jovens corpos embrenhados num verde algo assustador da Mata Atlântica e em movimentos incessantes de uma ponta de mar do litoral norte de São Paulo, capturados de modo serial, em diversos momentos.

 

E existe Via Láctea (2012), da série Dormência, imagem-chave que une o tempo rotineiro, cotidiano e terrestre ao mais largo, de âmbito geológico, estelar e cósmico. Ladeando casas abandonadas no políptico original, o registro noturno gera sentidos mais comuns. Tratada isoladamente, a fotografia se atira para interpretações menos corriqueiras e pode adquirir contornos científicos – astrofísicos, por exemplo. E as luzes de um corpo celeste que já se extinguiu evocam a finitude e a maleabilidade do tempo, tão bem lapidado pela autora em seus rastros, a ganhar leituras metafísicas, filosóficas e outras que o pensamento levar. "Um artista só é escravizado pelo tempo se o tempo for controlado por alguém ou por alguma coisa que não ele próprio. Quanto mais fundo um artista mergulha na torrente do tempo, mais este se torna esquecimento; por isso, o artista tem de permanecer perto das superfícies temporais. [...] (O artista) tem de explorar a mente pré e pós-histórica; tem de entrar em lugares onde futuros remotos encontram passados remotos"3, escreve Smithson em seu central Uma Sedimentação da Mente: Projetos de Terra (1968).

 

E, ao encontro do que Flusser, Benjamin e Arendt já discorreram anteriormente na teoria da fotografia, a obra da artista paulistana abre janelas para o 'entre', plenas de sentidos, por menos radiantes que aparentem ser tais passagens. "A fotografia, em consequência, apresenta um modo de pensar sobre a relação entre o passado e o futuro e da nossa posição nesse intervalo, mais preciso. É mais, pode ser o meio que se insere no intervalo vazio que existe entre passado e futuro e nos ensina que o futuro nunca é o que pensamos que será. O futuro, como nos lembra toda fotografia, é pura potencialidade. Não é a continuação do passado, senão um resultado direto da nossa situação ao sermos inseridos no tempo como o vazio intermediário do passado e do futuro"4, argumenta o teórico alemão Ulrich Baer. Por meio de intervalos, silêncios, objetos (re)encontrados, naturezas marcadas pelo mistério, intimidades de corpos, constructos humanos desmanchados, o fotográfico de Layla Motta é revelador.

 

Mario Gioia

 

1. SMITHSON, Robert. Um Passeio pelos Monumentos de Passaic, Nova Jersey. Revista Arte e Ensaios, PPGAV/EBA/UFRJ, Rio de Janeiro, 2009, n. 19, p.166

2. SMITHSON, Robert. Idem, p. 165

3.FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecilia (org.). Escritos de Artistas - Anos 60/70. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2006, p. 197

4. MAH, Sergio (org.). El Tiempo Expandido. Madri, La Fábrica, 2010, p. 47 e 48