Zip'Up: Na raiz / Caminho / Pelos laços / Passarinho: Vítor Mizael

29 Fevereiro - 2 Maio 2020

[tour virtual]

 

Os preconceitos têm mais raízes do que os princípios.

Nicolau Maquiavel 

 

A poesia não há de ferir o bruto. Mesmo quando usada como arma de defesa, de contra ataque, de esperança, ela é inofensiva frente às mentes impermeáveis e corpos alienados. Estes, talvez por orgulho ou quem sabe por ignorância não se enxergam parte do todo, não reconhecem em sua dor a mesma raiz da do seu semelhante. Não se vêem como semelhantes. Mesmo que no intervalo entre o acordar e o dormir a jornada, o cenário e os personagens sejam idênticos, o insensível só há de reconhecer (sua) verdade no espelho. Como tônica da contemporaneidade, em seus autorretratos hiper filtrados nas redes sociais, onde apresenta ao outro não o que é, e sim o que gostaria de ser.

 

Citando José Saramago, “A História é tão pródiga, tão generosa, que não só nos dá excelentes lições sobre a atualidade de certos acontecidos outrora como também nos lega, para governo nosso, umas quantas palavras, umas quantas frases que, por esta ou aquela razão, viriam a ganhar raízes na memória dos povos.” A poesia é necessária onde somos afligidos pelo medo e pela inquietude. Em tempos como agora, ela é código para escrever a história, que mesmo disfarçadamente silenciada pelas instituições de poder, há de ser revista e contada para além dos grupos de WhatsApp. 

 

Por viver muitos anos dentro do mato

moda ave 

O menino pegou um olhar de pássaro —

Contraiu visão fontana.

Por forma que ele enxergava as coisas

por igual

como os pássaros enxergam.

Manoel de Barros

 

Há aves que pousam sobre o gado e generosamente se alimentam de suas pragas, lançam sementes, fertilizam o solo e trazem vida. Vitor enfrenta poética e metaforicamente as asperezas de nossa realidade política e social com a subjetividade do desenho firme, com os laços doces das raízes fortes e com a astúcia da crítica travestida de beleza. A virtuosidade de suas obras, por vezes, engana o olhar distraído, que deixa de perceber a subversão delicada dos valores da academia, a poesia sutil das narrativas, a natureza morta como metáfora, a ancestralidade, a fé. Já Vitor Mizael enxerga como pássaro, enxerga as coisas por igual. Nos informa através de seu vôo que é preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já. Para concluirmos, como Nietzsche, que quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar.

 

Bruno Miguel