Zip'Up: Padrão: Cristina Suzuki

18 Janeiro - 20 Fevereiro 2020

Repetir repetir – até ficar diferente.

Repetir é um dom do estilo.

Manoel De Barros 

O livro das ignorãças, 1993 

 

A repetição cria padrões, tanto quanto é capaz de criar algo novo. E não é esse o conselho que damos a jovens artistas no início de suas carreiras? Refazer, de novo e de novo, até se transformar, até que se encontre a resposta. Este gesto pode parecer contraditório – afinal, a partícula “re-”, de imediato, evoca o repetir, a reiteração idêntica. Mas também pode indicar mudança: revisão, outro olhar; releitura, outra interpretação. Ora igual, ora diferente, ora de novo, ora algo novo. É dentro dessa complexa dialética entre a reprise e a revolução que reside a produção de Cristina Suzuki. 

 

Somos constantemente atravessados por esses impasses da linguagem. O próprio título da exposição, Padrão, carrega dezenas de sinônimos condensados em suas poucas seis letras: seria o mediano, ordinário, ou o modelo de excelência a ser seguido? Seria a repetição de um desenho, uma estampa? No entanto, definições-padrão não nos interessam aqui. Com um dicionário na mão poderíamos escolher a designação que nos convém, mesmo que à revelia da semântica. No caso da produção de Suzuki, é na sintaxe – na maneira como se constrói a linguagem (visual) – que se encontra sua peculiaridade tão intrigante. Seus trabalhos extrapolam e transcendem os paradoxos, os sentidos contrários, porque a arte permite conviver a contradição e o absurdo, e a graça está em como nós, espectadores, lidamos com isso. 

 

A artista sempre operou entre jogos de linguagem e jogos visuais, tensionando as categorias da pintura, da fotografia, da escultura, etc. Na série Imprinting, iniciada em 2013, criou um desenho inicial (uma espécie de unidade básica) que podia ser (re)combinado de diferentes maneiras, sobre os mais variados suportes, em distintas proporções e arranjos, desdobrando-se infinitamente. As padronagens que resultam dessas combinações já ocuparam muros, foram tatuadas e tornaram-se carimbos, pinturas e adesivos, podendo ainda vir a ser tudo o mais que Suzuki desejar. Os subtítulos de cada versão reforçam o processo metódico de execução da obra, lembram uma receita ou manual de instruções, descrevendo a imagem a que se referem como a obra que recebe os visitantes no espaço externo da galeria: Figura 1 e Figura 1 espelhada alternadas sobrepostas e centralizadas na vertical e horizontal. 

 

Já a série Novos e Velhos Clichês para Era Contemporânea, a artista brinca com a ideia de padrão como medida ideal a ser seguida, nosso velho conhecido padrão de beleza. E mais, própria ideia de clichê é um clichê, clichês são clichês porque são verdades, um clichê em si mesmo. Contudo, o termo também serve para designar placas de impressão tipográfica, material que Suzuki escolheu para dar corpo ao trabalho. Ela vem colecionando as palavras e expressões (em geral ofensivas) que se tornaram sinônimo de estereótipos, como a loira burra, o terrorista muçulmano e o retirante nordestino, e as transformando em placas que revelam, para além dos sentidos figurados, o modo como a linguagem pode ser manipulada, sem que notemos como é perniciosa a recorrência dos lugares-comuns. 

 

Por fim, a Coleção de Verão para Panos de Chão opera em um outro lance. Afinal, qual é a autenticidade de se ter a imagem do objeto no lugar do objeto em si? Na verdade, já faz tempo que a arte não se ancora mais na ideia de autenticidade. Poderia um falsificador ser artista tanto quanto o pintor original? Precisa a arte ser feita pelas mãos do próprio artista? Somos iludidos todos os dias por jogos de espelho e fumaça que criam simulacros da realidade e que fazem com que nos perguntemos o que pode ser real. Mas isso não importa. O que a repetição pode nos ensinar é que tudo que se repete também se renova, e Cristina Suzuki continuará se repetindo para criar algo diferente.

 

Julia Lima