Zip'Up: Retrogosto: João GG

6 - 31 Agosto 2019

[tour virtual]

 

Sabor residual, efeito que remanesce ao consumo, aquilo que se mantém sendo já outro: o retrogosto sugere percepções a um só tempo novas e recordativas, originais mas retroversas à substância de que são tributárias. Sensações capazes de remeter a uma ou várias referências – o aftertaste do vinho, especiaria, aspirina, alucinógeno –, sem com elas, porém, se confundirem. O caráter híbrido dessa faculdade gustativa, tão específica quanto evocatória, empresta nome à individual de João GG, indiciando o deslocamento de sentidos e desfamiliarização de signos, o gosto retrô, que perpassam as investigações e trabalhos recentes do artista. 

 

Retrogosto apresenta trabalhos em diferentes linguagens e suportes que exploram e tencionam elementos antagônicos, conciliando tratamentos erosivos dos materiais com procedimentos de esmero detalhista e obsessivo do artista. São blocos de gesso pigmentados à maneira clássica do afresco – que pareceriam ruinosamente de outrora, não fossem expressamente novos (série CAPVT, 2018-2019); esculturas totêmicas de isopor, material sintético e industrial, esculpido à feição de estruturas minerais renderizadas que ecoam altares sem deuses (Altar em bump-mapping, 2019); uma lua – pedra que flutua, espelho de luz solar no espaço – retida como pura superfície, em arranjo de formas geométricas básicas, mas levemente irregulares (Bala de prata, 2017); representação vívida e luzidia do Vesúvio (Magica, 2019), cuja topografia delineada em traços finos e longos contrasta o efeito explosivo da irrupção em linhas curtas, profusas, rebolidas, milimetricamente caóticas. 

 

Um arranjo assimétrico de fotografias dá tom a essa natureza despistadora dos trabalhos reunidos na exposição. Trata-se de imagens de cenas ermas capturadas em cidades e vias públicas superpovoadas, como Tóquio e São Paulo; um remoto cemitério xintoísta que faz as vezes de paisagens pós-industriais; flagrantes de inestéticas paisagens cenográficas que emulam outras paisagens; tomadas de detalhes arquitetônicos de uma Kyoto noturna, habitada tão-somente por diferentes situações de luz; templos e objetos religiosos dessignificados ao que suas formas, cores e disposição no espaço podem enunciar. 

 

A ambientação minuciosa, criada pelas relações que os objetos vazam e entretecem conformando o espaço, é processo caro aos trabalhos de João GG, nos quais a produção deliberada de rachaduras, desgastes e ranhuras (Wicked Game, 2019) se equaciona a superfícies resinadas e experimentações enérgicas de iluminação. Excertos descontínuos de sons potencialmente familiares, mas de improvável reconhecimento, reforçam a criação de um ambiente ficcional, ainda que referenciado em origens retraçáveis, num forte flerte com a estética do vitrinismo e a linguagem publicitária. 

 

Rugosidade e lisura, figura e fundo, verticais e horizontais, calor e frio, justaposição de texturas e cores, entre outros pares de opostos complementares, fazem emergir desses objetos de João GG efeitos dramáticos e sensoriais. Como se os polos, aproximados, esboçassem definir todas as possibilidades de matizes intermediários e gostos retroativos da matéria.

 

Hélio Menezes