Virtude plúmbea
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando
(Poética, 1950 - Vinícius de Moraes)
Tempo Quando é paisagem interior em estado de sublevação. Encontros e colisões de matérias e substâncias que a artista Marilde Stropp agencia com desenvoltura de alquimista ao fotografar, prensar, pintar, costurar, rasgar, tecer, amassar e, por fim, verter em substrato poético o papel, o tecido, o carvão e o chumbo.
Em seu laboratório de múltiplas possibilidades simbólicas, a artista promove esses pontos de contato entre corpos díspares. Num movimento pendular e incessante de harmonizações e embates tensos, espocam impetuosamente de suas obras texturas, fendas, cicatrizes, aventuras gris e pontos de luz onde outrora habitava o mais denso dos negrumes.
Marilde perfaz um circuito de experimentações que conduz a criação de uma escrita poética singular e pulsante, análogo ao processo terapêutico de autoconhecimento. A vida moldada em chumbo, metal correspondente ao planeta Saturno, relacionado com as frações do tempo, da densidade e do peso. A têmpera da existência. Virtude plúmbea.
Nesse caleidoscópico Tempo Quando as obras suscitam o desassossego daquilo que está em incessante movimento. O quadro não se estabiliza diante dos nossos olhos, não se acomoda em molduras e espaços limitantes. Tudo está porvir. Essas imagens, livros de artista e esculturas foram flagradas a meio caminho de vir-a-ser. Potência de transformação em estado bruto. Desejo de vertigem. A soma dos dias, dos afetos, dos temores, dos prazeres e da consciência da irreversibilidade do tempo encapsulada em obras que nos arrebatam e nos questionam: Tempo Quando.
Eder Chiodetto