Labirinto sintrópico: Janaina Mello Landini

13 Agosto - 10 Setembro 2016

… Primeiro, reconhecemos o espaço como o produto de inter-relações (...) Segundo, compreendemos o espaço como a esfera da possibilidade da existência da multiplicidade (...) Terceiro, reconhecemos o espaço como estando sempre em construção. Precisamente porque o espaço, nessa interpretação, é um produto de relações-entre, relações que estão, necessariamente, embutidas em práticas materiais que devem ser efetivadas, ele está sempre em processo de fazer-se. Jamais está acabado, nunca está fechado. Talvez pudéssemos imaginar o espaço como uma simultaneidade de estórias-até-agora. (1) 

 

*Alguns dados antes de começar:

1. Na criação de um labirinto, os construtores usam uma série de algoritmos e combinações matemáticas na definição dos percursos nele traçados. Nos exemplos mais complicados, os chamados labirintos multicursais de múltiplas conexões, não existe uma única opção, sendo possível nunca encontrar o centro ou a saída. 

 

2. A sintropia foi definida no campo da estatística em 1988 como a medida do grau de "organização interna" na interação dos componentes que formam um sistema. A sintropia é o montante complementar à entropia, entendida como o grau de "incerteza". Dessa forma, quanto maior é o grau da sintropia dessa organização interna, menor é a possibilidade do sistema colapsar. 

 

Vilém Flusser: tapeçaria, abstração e arquitetura ou representação, cálculo e filosofia 

 

O livro Flusseriana - Uma Caixa de Ferramentas Intelectual apresenta o pensamento do filosofo Vilém Flusser a respeito do conceito de "tapeçaria" como um gesto sobre uma estrutura. Aquele em que a urdidura oculta a trama, a estrutura da qual é parte. Assim, "uma tapeçaria urdida com o desenho de uma paisagem se constitui como a representação de um mundo externo e cria na parede a sensação de janela, o que nos faz lembrar de Arthur Schopenhauer com a sua ideia de 'mundo como representação'. Ainda que possua um desenho abstrato, a tapeçaria é uma representação que se constitui como uma espécie de negação de sua realidade mais imediata - que é a trama na qual está assentada. Neste sentido, poderíamos tomá-la como contra-representação". (2) 

 

Por meio do conceito de abstração e, sobretudo, pela capacidade de abstrair, Flusser analisa o embate do homem com o mundo. A aprendizagem é feita através de modelos codificados, com os quais tentamos estruturar o entorno e também a nós mesmos. Sobre essas construções, esses cálculos e a reconfiguração dos dados como se faz na álgebra, se organiza uma lógica para acessar a realidade. Nesse sentido, o cálculo seria não só uma abstração matemática, como também a base da contemplação das formas externas. O desafio seria, então, o uso da aptidão de calcular para a libertação das categorias, impostas desde o Renascimento e o Iluminismo. Nessa abstração existe a possibilidade de novos projetos, da negação do abismo e da aceitação da crise da linearidade, com a criação de novas relações. Essa particularidade da multiplicidade - nômade e migrante - das categorias é a mesma que Flusser identifica na arquitetura, pensada como estrutura modular, sendo ela mesma metáfora do pensamento na procura de uma nova forma de filosofia. 

 

Os três tempos 

... Muda sua natureza e acrescenta suas conexões: nela, não há posições, só linhas. (3) 

 

Em seu fazer artístico, Janaina Mello Landini reconfigura as concepções da estrutura do tempo, no jogo das articulações do espaço. Cada um de seus trabalhos abrange três aspectos temporais que não podem ser esquecidos e que juntos nos colocam ante um questionamento contínuo de estruturas aprendidas. 

 

O tempo empírico, em primeiro lugar. Existe uma consciência do tempo como vivência. A fonte para as representações é a contemplação, a ação empírica do olho da artista sobre a paisagem onde vive. No início foi o caminho que via no percurso de sua casa ao trabalho, em Minas Gerais. Os reflexos e luzes foram formando outro panorama - herança que ainda vemos na vibração criada pelo tratamento da cor das fitas e na tensão do elástico que compõem a instalação - , uma estrutura abstraída em pixels que são a origem da série "Labirintos", ao transferir sua experiência para a cidade. Uma urbe que não se constitui como definida ou única, mas como um labirinto randômico e rizomático, onde os planos e vistas se multiplicam e se fundem fora da disposição cartesiana. 

 

O tempo abstrato. A formação como arquiteta faz com que Janaina planeje cada uma de suas instalações e peças como um projeto. Uma abstração que, por meio de de cálculos estruturais e matemáticos, formalizam as concepções surgidas na observação. Nesse caso, as proporções de cada elemento que compõem o desenho deste labirinto seguem a sequência de Fibonacci (0+1=1, 1+1=2, 1+2=3, 2+3= 5, 3+5=8, tendendo ao infinito). Mas existe outra lógica na composição, que engana nossa primeira percepção de estar na frente de um estudo clássico de perspectiva. As linhas desses labirintos não têm um ponto de fuga único, e não tem um só ponto de vista. Todas elas formam a visão do que a artista define como "poli-olho", resultando em um grande ciclotrama onde se unem todos os pontos de vista possíveis. Uma tentativa de "ver tudo" ou "de unir tudo, presente e passado", que finaliza em uma anulação da perspectiva. O espaço seria, finalmente, uma armadilha, como pode ser o labirinto. 

 

E, por último, o tempo histórico. Não o tempo da grande história, mas sim aquele que decorre na duração do trabalho manual, do tecimento da trama e da urdidura, aquele que provém da tradição das mulheres costureiras que lhe ensinaram a bordar. Seria aquele tempo dos pontos de vista que se contrapõem à perspectiva histórica, como falaria Maria Thereza Alves (4); ou que descreve Elizabeth Grosz, nas nomeadas arquiteturas do feminino que, baseadas no excesso, poderiam desestabilizar as noções patriarcais de espaço e tempo. É esse mesmo tempo que relaciona o trabalho de Janaina com o de mulheres artistas que já antes teceram alternativas na sua produção artística: Annie Albers, Louise Bourgeois, Teresa Lanceta, Gego, Claire Zeisler, Etel Adnam ou Sheila Hicks. Nelas se reclama um olhar outro, fora do pensamento hegemônico para a aprendizagem do mundo. 

 

Em seu labirinto sintrópico, Janaina Mello Landini nega os conceitos prévios de perspectiva e de sua construção para mergulhar em sistemas de relações internos diversos, procurando novos saberes na fusão de formas de olhar e de trabalhar o espaço e o tempo. (5)

 

*Um último dado para finalizar:

3. Teseu saiu do labirinto de Cnosso logo após vencer o Minotauro, seguindo o fio do novelo que Ariadne tinha lhe entregado. 

 

Marta Ramos-Yzquierdo

 

1. Doreen Massey, For Space, Sage Publications, London, 2005.

2. Siegfried Zielinski e Peter Weibel ed., Flusseriana - Uma Caixa de Ferramentas Intelectual, ZKM I Center for Arts and Media, Karslruhe, Vilém Flusser Archive at Berlin University of Arts, e Univocal Publishing, Minneapolis, 2015. 

3. Mónica Amor sobre a obra relação da obra de Gego e Gilles Deleuze e Félix Guattari, Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. "Another Geometry: Gego's reticulárea, 1969- 1982." October Magazine USA, Summer 2005.

4. Maria Thereza Alves, Canibalismo no Brasil desde 1500, Periódico Permanente, n.4, 2013. http://www.forumpermanente.org/revista/numero-4/textos/canibalismo-no-brasil-desde-1500 

5. Elizabeth Grosz, Architecture from the Outside, The MIT Press Cambridge, 2001.