Topofilia: James Kudo

13 Agosto - 10 Setembro 2011

Natureza, arquitetura, padronagens. O uso da imagem empreendido por James Kudo articula-se entre construções e ameaças. Ladeando garças e galhos de vegetações variadas, vemos serras elétricas e espingardas. A floresta intuída no empastelado violáceo ao fundo da pintura evidencia a nebulosa construção industrial, uma usina. Segundo o artista, na cidade onde nasceu, uma parte da paisagem fora submersa pela construção de uma hidroelétrica.

 

James Kudo trata destes assuntos de maneira ímpar. O que poderia ser melancólico, acusatório, aviva-se em cores e efeitos luminosos. Ora trata a natureza como imitação (destino inevitável), ora as arquiteturas são caixas, como se processadas pelo desenho industrial. O artista nunca nos dá acesso ao mundo ideal, já que tudo está mimetizado como estampas. Ainda assim, o caráter edênico de um lugar "topos" habita pretensões utópicas. Se quisermos a narrativa, teremos que nos contentar com possibilidades associativas, metafóricas, nunca a literalidade. O negrume da floresta coaduna-se com partes de uma construção em madeira artificializada. A recorrente emulação de mimetismos, imitando veios de madeira como superfícies adesivas, por exemplo, contribui para criação de dualidades entre denúncia e aceitação do imponderável. A indústria que exercera o desmatamento é a mesma que cria as superfícies falaciosas, substituindo madeira por efeitos. O patrimônio industrial, afirmará Pierre-Jeudy, constitui-se como entrave para as cidades. Por que preservar o que causou a destruição?

 

Na exposição Topofilia, primeira individual de James Kudo na Zipper Galeria, temos variados exemplos da potência de um artista atento a distintos mecanismos de criação. A pintura, brincando entre planaridades, efeitos de superfície, imagens prototípicas, deixa-se contaminar por referências da moda e da tradição. Memória e maquiagem. Assuntos densos. Alegrias artificiais. Sobre uma pedra achada há anos, uma imagem intrigante, uma linha branca natural. Kudo elabora, então, a extensão da linha como contorno para o desenho de uma casa. O que há de exuberância na pintura, neste trabalho sintetiza-se com força e delicada precisão escultórica. Como na poesia de Waltércio Caldas, a imagem lida com materiais de aparência contrastante, contraditória, mas que a vontade construtiva transborda elemento em espacialidade. James, assim, continua o desenho, integrando e trazendo para si a pedra que "entranha a alma", como já nos alertara João Cabral.

 

Os livros são "objetos transcendentes", afirmara Caetano Veloso, "mas podemos amá-los com amor tátil". Um dos caminhos mais interessantes da exposição Topofilia é o conjunto de livros apropriados, antigos, rodeados por cogumelos feitos em madeira e pintados com guache. As peças aparentam convivência harmoniosa, novamente, entre o que pode ser a evidência de uma destruição, um desfazimento. James aplica os cogumelos e retoma o que no livro é natureza. Ali o processamento das árvores, na produção do papel, não impediu a vida das formas, a seiva das madeiras combinou-se com a umidade do ar. E assim, brotam-se, como flores, fungos, imagem apocalíptica, espetacular.

 

A arte de James Kudo convive com a vanitas, afirmação de que a vida é finita. Enquanto isso, natureza, paisagem, processamento industrial espelham-se uns aos outros. E nos resta acreditar na ilusão. A contradição, o contrassenso são as matérias-primas para a criação artística.

 

Marcelo Campos - julho de 2011