Escapes: Ricardo van Steen

21 Novembro 2019 - 11 Janeiro 2020

Em Escapes Ricardo van Steen apresenta oito pinturas em que aborda temas que abrangem espaço, espaço público e percepção. Ao nos colocar diante dos clássicos duelos ao redor de natureza e cultura, ele cria uma visualidade atemporal.  Em um segundo embate o artista se desprende do maquinal e do fotográfico, agora apenas ponto de partida para a captura de lugares, pessoas e espaços.

 

Após captação fotográfica, nesta série os significantes são tratados por meio de uma operação que implica a um só tempo a observação precisa do olho e a perícia do desenho e da pintura. Esta capacidade, tanto para a tecnologia como para o fazer manufaturado, hoje é uma raridade no campo artístico. 

 

A linguagem criada pelo artista na série Escapes desvela uma sintaxe rara, pintada sobre papel com maestria. Ele enfrenta e tensiona a aquarela, até obter da técnica o efeito de pintura, por sobreposição de matéria. Nas obras cujas cenas estão refletidas em vidros, o artista optou pela busca de reflexos e transparências nas tomadas fotográficas, pensando nas camadas pictóricas que poderia configurar. Isto implica em conhecer minuciosamente as possibilidades de fatura em relação a tempo, secagem e reações do suporte.

 

Ricardo não traz a questão da ecologia na ponta da língua, como se tivesse armazenado um arsenal pronto a disparar um discurso do dia” a qualquer momento. Ao contrário, no jogo desta série aparentemente singela, ele cria paisagens de desaceleração, as quais constituem um desafio ao modus operandi contemporâneo das operações artísticas. 

 

Mas o que é o contemporâneo? O filósofo Giorgio Agamben* começa por perguntar de quem e do que somos contemporâneos. E retoma Nietzsche, para quem o contemporâneo seria aquele que tem uma certa defasagem, pois quem pertence verdadeiramente ao seu tempo não coincide perfeitamente com ele e não adere às suas pretensões, por isto define-se como inatual”.  

 

Se pensarmos como os filósofos, seria por causa deste suposto anacronismo* que van Steen estaria mais apto ainda a perceber e compreender o seu tempo.  A discronia* aqui não significa que o artista viva em outra cronologia, "ou que seja nostálgico, ou que não se reconheça vivendo no tempo em que vive, segundo Agamben. 

 

Cá entre nós, este modo corajoso de van Steen enfrentar esta série e colocar a sua habilidade a serviço da arte é incrivelmente saudável. Quando toma um fôlego-uma distância do uso exclusivo dos dispositivos maquínicos-Ricardo oferece uma alternativa à atualidade global e assume uma atitude que afasta os contágios que provém de matrizes moldadas em padrões homogêneos. 

 

As temporalidades suspensas em Escapes nos remetem novamente ao duelo entre o artesanal e o maquinal.  E embora o artista tenha importante produção em fotografia e cinema, nesta série o artesanal vence. A retomada do pictórico em um presente nebuloso parece preparar um devir, no qual os embates subjetivos poderiam apartar o mundo dominante da vida. Tudo indica um modo suave de resistir, sem cisões ou dissensos.

 

Ao construir um micro-espaço dentro do sistema das artes, Ricardo van Steen escapa do lugar-comum com uma pausa temporal e com um aguçar perceptivo. Ele cria esta série de escapes ou lugares de fuga, como forma de reinserir uma camada idílica no mundo e quem sabe, reordená-lo.

 

Daniela Bousso

 

Referência 

AGAMBEN, Giorgio. Qu'est-ce que le contemporain?. Ed. Payot&Rivages, Paris, 2008. Pgs.7-10. As palavras anacronismo e discronia são termos cunhados pelo autor, que discute e acolhe as reflexões de Nietzsche em seu ensaio.