
Céus rosados, terras flamejantes, vegetações violetas e breus azuis. Na atual exposição “Ser Ilha” de Felipe Góes na Zipper Galeria, oito pinturas de paisagem escapam da reprodução objetiva do mundo para nos imergir em territórios sensíveis de nós mesmos.
Nesse artigo, vamos mergulhar no mar da colorimetria que Góes nos propõe, para compreender melhor o contexto de criação das suas obras e como sua paleta de cores, para além de um recurso estético, é o cerne de sua poética.
Conteúdo do artigo:
Breve panorama histórico da cor na pintura de paisagem
Se pensarmos na tradição da pintura de paisagem, percebemos que ela atravessa uma linha do tempo que vai da representação fiel à expressão mais íntima e subjetiva. Nos séculos XVII e XVIII, o paisagismo europeu ainda estava muito ancorado na tentativa de capturar o mundo visível, de modo que as cores eram restritas à lógica naturalista.
Claude Monet, Impressão, Nascer do sol, 1872.
É a partir do século XIX, com o Impressionismo e a fotografia, que as formas e cores se libertam das amarras tradicionais e passam a percorrer rumos mais autônomos.. O uso da cor fica mais livre para sugerir camadas menos óbvias e objetivas, e mais ligadas às atmosferas, sensações e estados de luz. Pinturas atentas não apenas ao mundo como ele é, mas como ele aparece aos olhos do pintor passam a se destacar.
Vincent van Gogh, Noite estrelada, 1889.
Movimentos posteriores, como o Pós-impressionismo e o Expressionismo, complexificam e expandem essa emancipação. Van Gogh, Gauguin, Munch, entre outros, passam a utilizar a cor como veículo da emoção e da experiência psíquica.
Wassily Kandinsky, Composição VIII, 1923.
Quando se avança para a modernidade, essa tendência se radicaliza ainda mais. A abstração lírica, o expressionismo abstrato, os cromatismos da arte contemporânea dissolvem as últimas leis que vinculam a cor e a representação do real como indissociáveis. E é dessa herança que parte a produção contemporânea de Felipe Góes.
A pesquisa pictórica de Felipe Góes
Felipe Góes, Pintura 382, 2021
Tendo sido aluno do Paulo Pasta, admirador confesso de mestres da cor, como Van Gogh, Matisse, Rothko, Volpi e Iberê Camargo, além de atualmente estar mestrado em pintura (Painting MFA) na Savannah College of Art and Design (SCAD), nos Estados Unidos, Góes carrega em sua prática uma atenção especial às questões cromáticas em seu estudo pictórico.
Para a atual mostra na Zipper Galeria, o artista reuniu um conjunto de obras que, como indica o título, orbitam a ideia da ilha, não como porção de território geográfico, mas como metáfora para essa condição ambígua de quem está presente no mundo, mas, ao mesmo tempo, deslocado dele e imerso interiormente. A ilha é um lugar paradoxal, pois, ainda que seja uma porção de terra isolada de seu continente, é também, por definição, constantemente abraçada pelas águas, pelos ventos e por seres vivos que ali habitam.
Nesse sentido, as pinturas de Góes refletem esses territórios que habitamos mentalmente. Elas não partem de fotografias, nem da visão de paisagens reais. São imagens que nascem no próprio fazer, no embate direto entre tinta e tela.
“Sempre começo uma pintura com uma ideia vaga do que ela poderia ser e testo alguns esboços com tinta na tela mesmo. Após esse lançamento, acontecem sucessivas modificações, apagamentos e camadas. Aquela ideia primeira é completamente superada. Tudo muda constantemente. Água pode se transformar em terra, e uma floresta virar nuvens, por exemplo”, explica o pintor.
Felipe Góes, Pintura 339, 2019
Essa busca por liberdade perceptiva se reflete também na forma como escolhe nomear suas obras. Todos os títulos são apenas números, na intenção de afastar o visitante de qualquer experiência guiada por indicações narrativas e fazer com que as pinturas individualmente sejam abertas à livre interpretação.
“Além disso, a numeração indica sequência e rotina. Na minha concepção do ofício da pintura, isso é muito importante. Acho crucial salientar o trabalho constante, dia após dia, e a dedicação necessária para produzir uma exposição”, completa.
Visite a Zipper Galeria
Vista da exposição “Ser Ilha” na Zipper Galeria.
Faça uma visita à exposição “Ser Ilha”, que estará em cartaz até o dia 19 de julho de 2025. A Zipper tem entrada gratuita e funciona de segunda a sexta, das 10h às 19h e, aos sábados, das 10h às 17h, na R. Estados Unidos, 1494 - Jardim América, São Paulo – SP.