Cerâmica contemporânea na Zipper: quatro artistas para conhecer

June 11, 2025
Cerâmica contemporânea na Zipper: quatro artistas para conhecer

 

Há algo intrinsecamente humano no trato com a argila, bem como há algo de “argiloso” naquilo que nos constitui. O barro é, para muitas cosmologias, o lugar de onde viemos, além de ser a terra que provê o alimento que nos sustenta ao longo da vida e para onde voltamos depois que morrermos. Na tradição judaica-cristã, Adão, o primeiro homem, é moldado do barro, e seu nome vem da palavra adamah, que significa “terra vermelha” ou “solo fértil”. Na própria etimologia da palavra, “humano” tem sua origem no latim “humus”, que significa “terra”. Na mitologia grega, Prometeu molda os humanos a partir da argila, e Gaia, deusa da Terra, é criadora de muitos deuses e do nosso planeta. Em tradições andinas, a Pachamama é a divindade que gera, é de onde tudo nasce e para onde tudo retorna. É a Terra como mãe, que modela a vida em suas mãos. 

 

Dentre as hipóteses científicas sobre a origem da vida no planeta Terra, também acredita-se que as primeiras moléculas orgânicas complexas, precursoras da vida, teriam se formado ou se organizado em superfícies de minerais de argila. A teoria elaborada pelo químico Graham Cairns-Smith nas décadas de 1960 a 1980, propõe que a argila, abundante na crosta terrestre, teria sido uma espécie de matriz que catalisou a formação de moléculas como o RNA. Por sua estrutura em camadas e à capacidade de atrair compostos químicos, a argila teria sido um berço ou útero para o surgimento e a evolução de sistemas autorreplicantes, e a matéria passou a ensaiar o milagre da vida.

Moldar a argila é manusear o princípio das coisas. Ainda hoje, grandes artistas seguem tateando os sentidos desse gesto milenar e atualizando-o em camadas conceituais contemporâneas. Na Zipper Galeria, Ana Holck, Laura Villarosa, Marco Tulio Resende e Megumi Yuasa sabem escutar o barro e suas particularidades para construir, a partir dele, suas obras em cerâmica, que nos incitam a repensar o pacto entre o humano e o mundo.

 

Conteúdo do artigo:

 

Ana Holck


Ana Holck em seu ateliê. Cortesia da artista.

 

Acostumada a terceirizar etapas de produção em trabalhos anteriores, quando Ana Holck se encontrou com a cerâmica, viu o fazer manual como forma de reconectar corpo e obra. Vinda de uma produção marcada pela exatidão da engenharia e dos materiais industriais, a artista não abandona a formalidade de sua linguagem na cerâmica, mesmo que suas peças não revelem o gesto manual de maneira expressiva e direta, mas passa a lidar com um material que exige escuta, paciência e sensibilidade.

 

A priori, Holck escolhe a porcelana por sua cor alva e plasticidade. Mas a matéria lhe possibilitou expandir sua poética que habita entre forças opostas: leveza e densidade, controle e surpresa, rigidez estrutural e o imprevisto térreo do forno.

Seus tubos extrudados se contrapõem com a organicidade do barro. Nas peças permanecem os ritmos e intenções da terra, que impõe seu tempo alongado. Suas obras carregam uma contenção que remete ao cerne estrutural das construções e das memórias herdadas de seu pai engenheiro. O uso da extrusora para criar formas tubulares reforça a busca por regularidade, mas é justamente na impermanência da cerâmica que Holck encontra uma nova matéria de diálogo.

 

Laura Villarosa

Detalhe da obra de Laura Villarosa.

 

Na produção de Laura Villarosa, a cerâmica é extensão da tinta. A artista não se vê como ceramista, afinal, para além do fato de seu principal meio de trabalho se dar na linguagem têxtil, sua relação com o barro não se ancora na tradição formal da modelagem, mas na lógica da pintura em campo expandido. 

 

Villarosa costura a cerâmica ainda úmida, antes que o tempo e o calor a endureçam. Em suas mãos, o barro volta a ser pele, tecido, membrana porosa entre o dentro e o fora. E nesse jogo entre tinta, terra e linha, surge a carne de suas paisagens abstraídas.

Laura Villarosa, da série Paisagem e Sensibilidade, 2025.

 

Marco Tulio Resende

Marco Tulio Resende em seu ateliê. Cortesia do artista


Marco Tulio Resende
é natural de Minas Gerais, local onde, segundo o próprio artista, todas as pessoas são marcadas pela terra. Inicialmente introduzido à cerâmica por Erli Fantini, ele expandiu sua prática do utilitário para esculturas que incorporam argila, madeira, carvão e pigmentos naturais produzidos por ele mesmo. O artista alquimiza os elementos do solo em matéria poética, criando pigmentos e materiais experimentais para construir obras que falam de tempo, ancestralidade e existência. Sua paleta, restrita a tons terrosos, brancos, pretos e azuis, reverbera as paisagens minerais e o eco de saberes antigos. Em suas mãos, a cerâmica carrega a memória do chão, das montanhas, das cavernas e do fogo.

 

Megumi Yuasa


Megumi Yuasa, Sem título, 1980


Nascido em São Paulo, Yuasa começou sua formação em design industrial e, posteriormente, se aprofundou na cerâmica, um meio no qual se tornou conhecido pelo mundo e sobre o qual leciona desde 1979. 

 

Sua linguagem se situa entre a herança da tradição japonesa e um espírito de constante experimentação. Seu modo de esmaltação é um dos traços mais singulares de sua produção: o artista frequentemente incorpora materiais como tintas acrílicas e constrói camadas sucessivas de esmalte gotejado, que criam texturas orgânicas e fluxos imprevisíveis. A estética singela e delicada que marca muitas cerâmicas asiáticas, na obra de Yuasa, deu espaço para uma liberdade matérica, ainda que envolta em grande delicadeza. Com uma paleta sóbria e um trabalho que privilegia o acaso controlado, o artista atua entre a intuição, memória e abstração moderna.


Visite a Zipper Galeria

Se te interessou conhecer mais da produção desses quatro artistas, nada substitui a experiência de ver suas obras de perto. Faça uma visita à Zipper Galeria e confira pessoalmente o nosso acervo. A Zipper funciona de segunda a sexta, das 10h às 19h e, aos sábados, das 10h às 17h, na R. Estados Unidos, 1494 - Jardim América, São Paulo – SP.