Zip'Up: Traços de impermanência: Matias Mesquita

23 Janeiro - 21 Fevereiro 2015

Espectros em concreto

Rascunhos sobre a obra recente de Matias Mesquita

 

"Esvaídos de sentido pleno, tornam-se sepulcros da permanência, numa distopia da ilusão."

 

"As filas, consequência sintomática desta máquina burocrática, personificam seu estado, cunham sua hereditariedade e concretizam seu controle social."

 

Essas frases, extraídas de textos de Matias Mesquita, sintetizam dois aspectos fundamentais de sua produção recente, que aqui se apresenta dividida em dois grupos relacionados. O suporte e a materialidade de sua obra não são neutros, como a tradicional tela branca, mas se confrontam com a imagem construída pelo artista, ativando em alguns casos um jogo de opostos e em outros um complemento simbólico.

 

Os materiais utilizados como suportes operam como índices da realidade urbana contemporânea, dando conta de sua condição industrial, massificada e anônima. 

 

A primeira série, chamada genericamente IMPERMANÊNCIA, traz imagens realistas de céus pintados sobre placas de concreto de diferentes tamanhos e formas. A representação fiel de fotografias tomadas pelo artista do céu de Brasília, com sua característica luminosidade e arquitetura de nuvens, ao ser registrada em material tão alheio às tradições artísticas, mas tão presente na vida urbana, gera uma situação de estranheza e fria sedução.

 

Esse instante efêmero, capturado e reproduzido pictoricamente, parece fixado, preso no concreto, como um lembrete de sua beleza frágil, sua provisória memória, e da inexorável passagem do tempo.

 

A segunda série, ainda sem título e realizada especialmente para o espaço da Zipper, aborda a representação da fila. Este emblema performático da burocracia, do controle e da coesão social encontra como suporte ideal os materiais industriais que conformam a estrutura da urbe contemporânea. Assim, como um emblema da vida urbana, o indivíduo anônimo projeta seu espectro na cidade onde vive.

 

Temporalidade, matéria e memória constituem os elementos essenciais com os quais Matias Mesquita constrói a imagem da realidade onde vive.

 

Uma poética refinada e brutal.

 

Manuel Neves

Brasilia, janeiro de 2015