• MIGUEL PENHA CHIQUITANO
     
    MATA ADENTRO
  • Raízes ancestrais, pertencimento plural Nascido em 1961 às margens do rio Cuiabá, Miguel Penha Chiquitano carrega em sua origem a...

    Raízes ancestrais, pertencimento plural

    Nascido em 1961 às margens do rio Cuiabá, Miguel Penha Chiquitano carrega em sua origem a conexão com a terra, os rios e os saberes ancestrais de seus antepassados indígenas. Filho de pai Xiquitano — lavrador e ceramista — e mãe Bororo, Miguel cresceu em contato direto com os biomas do Cerrado e do Pantanal, em uma infância marcada por experiências como caça, pesca, banhos de rio e coleta de frutos.

    Sua identidade é marcada pela mestiçagem, como ele próprio define: “Bororo com Português, negro com branco”. Desde cedo, o artista conviveu em aldeias e comunidades tradicionais, desenvolvendo um saber empírico, sensível e espiritual sobre os ciclos da natureza, os modos de vida indígenas e as relações simbióticas entre corpo, terra e espírito.

     

    Ao longo dos anos, Miguel intensificou o diálogo com sua ancestralidade por meio de viagens a diversas nações indígenas brasileiras como os Bakairi, Xavante, Caiapó, Krahô, Apurinã. Essa escuta intercultural ecoa em sua pesquisa artística, marcada por uma memória viva e por uma poética mestiça.

     
    • Miguel Penha Chiquitano A floresta e seus mistérios, 2024 Óleo sobre tela 110 x 300 cm
      Miguel Penha Chiquitano
      A floresta e seus mistérios, 2024
      Óleo sobre tela
      110 x 300 cm
    • Miguel Penha Chiquitano As bocaiveiras do vale da bencão, 2024 Óleo sobre tela 135 x 240 cm
      Miguel Penha Chiquitano
      As bocaiveiras do vale da bencão, 2024
      Óleo sobre tela
      135 x 240 cm
  • Autodidatismo, pesquisa e persistência Embora se defina como autodidata, Miguel Penha Chiquitano construiu uma trajetória marcada por uma busca constante...

    Autodidatismo, pesquisa e persistência

    Embora se defina como autodidata, Miguel Penha Chiquitano construiu uma trajetória marcada por uma busca constante de aprofundamento técnico e conceitual. Iniciou sua carreira artística nos anos 1980, desenvolvendo um modo de pintar autoral, por vezes referido como “novo naturalismo” — uma linguagem que funde saberes indígenas e uma atenção minuciosa à natureza.

     

    Além de estudos informais, sua formação inclui cursos História da Arte na Fundação Nacional de Artes (Funarte) e, em 2015, um período de imersão na Academia de Artes de San Telmo, em Madri. 

     

    Com mais de 40 anos de carreira e mais de 50 exposições no currículo, Miguel participou de mostras em cidades como Brasília, São Paulo, Goiânia e Teresina, além de integrar programas e exposições internacionais na Bolívia, Áustria, Alemanha e na França, onde participou da Bienal de Lille em 2019. Em 2009, foi agraciado com o Prêmio Marcantonio Vilaça, uma das principais distinções da arte contemporânea brasileira, promovida pela Funarte. 

     

    Sua trajetória é marcada pela persistência e pela construção de um caminho autoral, que só mais recentemente passou a receber a visibilidade merecida no circuito institucional e mercadológico da arte.

     

     
  • Um estúdio a céu aberto no coração do cerrado Há décadas, Miguel Penha Chiquitano vive e trabalha na Chapada dos...

    Um estúdio a céu aberto no coração do cerrado

    Há décadas, Miguel Penha Chiquitano vive e trabalha na Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, território que ele chama de seu “estúdio a céu aberto”. A cada dia, sua prática pictórica é alimentada pela observação sensível do entorno: os troncos coloridos, os reflexos de luz nas águas, as variações do céu, o calor pulsante do cerrado e as sutis transformações das estações do ano.

     

    Pintar, para Miguel, é um gesto contínuo e visceral, impulsionado por essa convivência íntima com a natureza. Seu processo criativo emerge da escuta do ambiente e da atenção aos fenômenos cotidianos: ele é um dos raros artistas que experienciam a densa paisagem brasileira em sua totalidade, ao mesmo tempo em que a transmutam, com rigor e intuição, em pintura.

  • Um olhar de dentro da paisagem

    A obra de Miguel Penha Chiquitano já foi comparada à dos artistas-viajantes do século XVIII, como os que integraram a expedição Langsdorff, pela precisão técnica e pelo impulso de documentar a natureza brasileira. Mas sua pintura carrega um diferencial incontornável: enquanto aqueles artistas observavam “de fora”, Miguel pinta a partir de uma vivência enraizada. É um olhar que emana de dentro da paisagem.

     

    Suas telas podem ser lidas como uma enciclopédia emocional da paisagem brasileira: registros pictóricos que mesclam memórias da infância com a percepção sensível de um homem indígena, sertanejo e habitante do Centro-Oeste.

     
    • Miguel Penha Chiquitano Cipó Mariri, 2013 Óleo sobre tela 150 x 100
      Miguel Penha Chiquitano
      Cipó Mariri, 2013
      Óleo sobre tela
      150 x 100
    • Miguel Penha Chiquitano Palmeira buritirana, 2024 Óleo sobre tela 60 x 45 cm
      Miguel Penha Chiquitano
      Palmeira buritirana, 2024
      Óleo sobre tela
      60 x 45 cm
  • Luz em camadas e a floresta como linguagem Nas paisagens de Miguel Penha Chiquitano, raízes, troncos, seivas e névoas compartilham...

    Luz em camadas e a floresta como linguagem

    Nas paisagens de Miguel Penha Chiquitano, raízes, troncos, seivas e névoas compartilham o protagonismo com uma paleta exuberante de verdes, azuis e magentas, onde a luz não é resultado de branco, mas da sobreposição de tons. Trata-se de uma técnica particular do artista, que explora o brilho intenso do cerrado ou o véu úmido da floresta sem recorrer ao branco, mas sim à justaposição de cores.

     

    Sua abordagem técnica envolve também a manipulação de materiais diversos — como óleo, acrílica, cera de carnaúba, secantes em pó e pigmentos específicos — e a incorporação de saberes tradicionais, como o uso medicinal de plantas e as propriedades naturais dos elementos. 

     

    A floresta não é, portanto, um cenário em sua obra: é linguagem, memória e espírito. Miguel a reinventa em cada tela, que preenche com densidade sensorial e poética.

     
  • Pintar para lembrar, pintar para preservar

    A obra de Miguel Penha Chiquitano nasce da experiência íntima com o Cerrado e as matas de transição do Centro-Oeste brasileiro, mas seu alcance ultrapassa a dimensão estética. Trata-se de um projeto profundamente político, que transforma a paisagem em denúncia e a memória em ferramenta de resistência.

     

    Em tempos de colapso ecológico, sua pintura envia um recado claro, ainda que sutil, sobre o descuido com a natureza. Sem ser panfletária, ela revela as marcas da devastação promovida pelo avanço do agronegócio, o apagamento das narrativas locais e a erosão da biodiversidade. 

     

    Ao representar espécies ameaçadas, árvores em risco e territórios prestes a desaparecer, Miguel se posiciona como um cronista visual do Brasil profundo, um artista que documenta aquilo que está em vias de se perder.

     
  • Mata adentro Ao contemplar uma pintura de Miguel Penha Chiquitano, o espectador vive a experiência estética de “ir mata adentro”:...

    Mata adentro

    Ao contemplar uma pintura de Miguel Penha Chiquitano, o espectador vive a experiência estética de “ir mata adentro”: uma jornada sensorial e introspectiva, em que a floresta se revela não apenas como paisagem, mas como templo sagrado.

     

    A natureza, para Miguel, é uma entidade viva, a “grande mãe” que alimenta, transforma e cura. Seus trabalhos buscam transmitir essa dimensão espiritual da floresta, convidando o público a uma reconexão profunda com os ritmos da terra.

     

    A ausência de figuras humanas ou animais — que surgem, quando muito, como presenças sugeridas — reforça o sentimento de perda, de algo que está em risco ou que já se foi. A beleza exuberante de suas paisagens contrasta com a percepção de desaparecimento, fazendo de cada obra uma celebração e, ao mesmo tempo, um alerta.

     

    O artista nos propõe um gesto que é tanto poético quanto político: um “reflorestamento mental”. Suas obras são convites para reimaginar os modos de estar no mundo, descolonizar o olhar e cultivar uma escuta sensível às sabedorias da natureza.

     
  • Epílogo Em um país onde a floresta arde e os saberes originários são sistematicamente silenciados, a obra de Miguel Penha...

    Epílogo

    Em um país onde a floresta arde e os saberes originários são sistematicamente silenciados, a obra de Miguel Penha Chiquitano resiste ao apagamento com delicadeza e vigor. O que se vê em suas obras é uma memória encarnada, uma forma de escuta e um modo de estar no mundo.


    Suas imagens são travessias que nos devolvem à terra e, ao mesmo tempo, lançam um olhar crítico sobre o presente, como quem planta, na superfície da pintura, sementes de um outro futuro possível. Sua arte é convite para irmos, também nós, mata adentro.

     
  • SOBRE

    Miguel Penha Chiquitano (Cuiabá, 1961)

    É pintor autodidata, com formação complementar na Fundação Nacional de Artes (Funarte) e na Academia de Artes de San Telmo (Madri). Sua obra parte da observação direta da natureza e da vivência profunda com os biomas do Cerrado, Pantanal e Amazônia, especialmente na Chapada dos Guimarães, onde vive e trabalha. Com mais de 50 exposições no Brasil e no exterior, foi contemplado com o Prêmio Marcantonio Vilaça (2009) e teve obras incorporadas a coleções públicas, como a do MARCO-MS.